Essa Tal de Poesia

22/11/08
Vamos falar de poesia.
Mas, sobre qual delas?
Sobre a poesia diária, na qual se esbarra quando abrem se portas, olhos e ouvidos?
Aquela que vive nas cores, nos sabores e odores e que nos chega pelos sentidos físicos?
Ou, sobre aquela poesia que se cria, que se pensa?
Aquela que se concebe no ruidoso silêncio
, no digerir interno dos tais poetas?
Pouco importa qual seja, tanto faz a natureza, falemos dela.
Vamos discursar.
Nos valer da inspiração que enche de sentido e significado o cotidiano, as banalidades e barbaridades da essência humana.
Vamos abusar das tonalidades e pintar de tons berrantes o que se faz pálido.
Vamos moldar o que é volátil e etéreo.
Vamos dar forma ao que é sensação nos valendo das palavras.
Mas talvez elas não bastem, não sejam suficientes.
Por que esses seres... os tais poetas
Esses que buscam na expressão
a tradução do impalpável
Costumam ser insaciáveis.
Para esses loucos e insensatos...
Para essas almas delirantes...
Tudo se faz motivo e forma.
Tudo se faz razão e meio.
Tudo se faz maneira e via.
Tudo se faz em poesia.

Sunday, January 17, 2010

Telhado de Vidro



Telhado de Vidro

22/10/89


Telhado de vidro,
Não jogue pedra.
Não faça em pedaços
O meu abrigo.
Não me deixe ao relento,
Não destrua o que acalento
Dentro do peito.
Telhado de vidro,
Por ele vejo as estrelas
Via Lactea por onde guio
Os meus caminhos.
Telhado de vidro,
Matéria frágil
Mas protetora.
Não represe a chuva
Que por ele escoa.
Deixe-o intacto.
Façamos um trato:
Não o despedace
À toa.

Medo de Amar

Medo de Amar

02/08/85

Ah, esse medo de amar!
Ah, esse medo do amor!
Ah, esse medo de dor,
De dar,
De receber!
Ah, esse medo me dá
A sensação de não ter porquê.
Esse medo consome,
Esse medo corrói.
Me deixa a merçê de tudo.
Me isola, me destrói.
Se eu pudesse ao menos
Ter forças para o vencer.
Mas ele é maior que essa força,
É bem maior do que eu.
Por isso me esquivo tanto.
Por isso me adultero
E mudo o sentido
De cada sentimento mais terno.
Quero livrar-me de tudo
Que signifique emoção.
É essa a proteção
É esse o meu resguardo.
Por isso comigo trago
Esse gosto amargo
De solidão.

Criação

Criação

22/11/78


Me crio em pássaro.
Atravesso nuvens
Transponho estrelas
Descubro o espaço.
Eu crio vida.
Crio verdade
Crio coragem
Creio no mundo.
Criando eu mesma,
Transformo ventos em passos lentos.
Corrijo fugas
Estico rugas
Crio o amor.
Criando,
Mudo aos poucos tudo,
Faço fantasia.
Faço do bravio:
Manso, apático.
Faço do vulgar:
Fantástico.
Faço esse mar:
Estático.
Desdobro as dobras do peito,
Me dou um jeito.
Esfrego as mãos,
Abro os olhos,
Penso...
E invento.
Crio do morto:
O vivo.
Crio do frio:
O quente.
E vou em frente
Dando asas a mente
Subvertendo... por diversão
O divino ato
Da criação.

Crença no Passado

Crença no Passado

05/05/78


E o tempo passou.
Levou um pedaço da minha vida.
Penso no que fiz,
No que faço,
No que posso fazer.
Procuro crer no que fui.
Achar no Passado
Um pouco do meu eu.
Entender com ele
Tudo o que o Presente insiste em complicar.
Talvez o Passado me guie
Para o Futuro.
O Presente só me confunde
E transtorna.
Me tira tudo o que eu sabia
Tudo o que pude aprender.
Olho o relógio...
E me dói cada minuto passado.
Porque mais longe fico do Passado
E de mim mesma.

Wednesday, January 13, 2010

Sono Solto


Sono Solto

21/11/83


Olha eu de novo aqui
Pensando tudo.
Enquanto tudo muda
E corre
E gira.
Eu me perdendo toda
Em todo espaço
Eu desatando o laço
Me separando.
Fico assim vagando,
Olhando o nada.
Estou me alienando
E vivo nisso.
Me escondendo do mundo
Me guardando
Não sei pra quê
Nem porquê.
Só sei que durmo
Um sono solto

Torrente

Torrente

19/12/82

Chove lá fora.
E quem me dera que todas as gotas
Pudessem tirar de minha alma
Essa sujeira da vida
Essa poeira do mundo.
Purificassem meu espírito
E devolvessem ao meu ser
A leveza,
A pureza
A cristalidade.
Chove lá fora.
Um ritmo louco de varrer a terra.
Uma corrente contínua de diluir a tudo
Uma vaga certeza de um amanhã de sol.
Chove lá fora.
E a necessidade de chuva aumenta.
Uma vontade imensa de me sentir molhada,
Banhada de paz,
Refeita.
Os pingos cessam.
Escorre pelos bueiros da rua
Tudo o que a água conseguiu limpar.
Calçadas lavadas
Becos purificados
Liberados caminhos.
Porém,
Quantos  dilúvios,
Torrentes,
Mares e rios,
Para apagar das entranhas
Meus impuros passos
E os rastros
 Que hei de deixar?

Menino


Menino

04/11/82

Menino de olhar tão doce,
Porque caminhos assim?
Porque um viver tão duro,
Menino tão puro?
Cheiras tanto à jasmim.
Tens o jeito calmo
De quem tem os céus
De quem tem a paz.
Conte-me o teu segredo menino.
Estou triste demais.

Maria

Maria

14/09/81

Mais uma Maria.
Mais uma Maria do mundo.
Como maioria das Marias... pobre.
E nobre... por ser Maria.
Quem sabe Maria dos muros
Das esquinas da vida.
Ou empregada doméstica
Indomesticável...
Intocável por ser Maria.
Maria Jesus
Maria das Graças
De jeitos, trejeitos
De corpo e desejo.
Maria dos homens
Maria dos prantos
De mil desencantos.
Das roupas usadas,
Doadas, suadas pelo dia a dia
Pelo pão de Maria
Pela luta de vida.
Maria, barraco
Sonhando mansões
Castelos e deuses...
Ou mesmo sem sonhos
E sem desesperos
Maria Socorro
Maria do morro
Mais uma Maria.

Friday, January 8, 2010

Benditos



Benditos

18/10/07

Benditos sejam os caminhos tortos que trilhei.
Benditos sejam todos os erros que cometi.
Benditas sejam todas as minhas burrices,
Criancices, idiotices...
Imbecilidades, pequenas maldades, imprudências...
Benditos, abençoados, imprescindíveis!
Nesses caminhos tortos, acertei meu rumo.
Nos meus erros maiores, aprendi a vida.
Nos meus atos mais burros, me senti humana.
E sigo assim:
Uma criança.
Na sábia consciência do não saber nada.
Sem qualquer vaidade que me prenda.
Na eterna inconsequência de ser feliz!

Ano Novo?

Ano Novo?

31/12/09


Bate em minha porta alguém que não conheço.
No conforto do meu lado seguro,
Me reservo o direito do comodo sossego.
Então, finjo que o ignoro.
Resisto em deixar entrar algo pelo qual não espero.
Há muito calei em mim expectativas.
Faz tempo virei as costas aos planos futuros.
Danço a valsa...
A correnteza me leva.
E me angustia o ansiar...
O desejar... O antever.
Isso cabe aos sonhadores.
Àqueles que escancaram a entrada de seus esconderijos
E dão boas vindas aos andarilhos.
Bem recepcionam aos ventos novos como a velhos conhecidos,
Esperando deles as pistas corretas, as respostas, os caminhos,
O bem viver e a boa fortuna!
Posso até ouvir lá fora o vozerio chamando ao visitante.
- Venha a casa é sua!
Quanta crença no futuro!
Mas, passado o presente a limpo,
O que resta pra viver adiante?
Alguns diriam esperança.
Eu prefiro acreditar na persistência.
E lá vou eu,
Mais uma vez reinventar o já vivido.
Chamar de novo um ano que muda sua forma,
Apenas no número e não no conteúdo.
Por que se não sou eu que mudo...
Se não é meu ser que se transforma...
Tudo prossegue inerte e em suspensão,
Nada é manifesto.
Passa, se perde... dispersa.
Não tenho ilusão.
Sou eu
Quem de sua intenção, vontade e gesto.
Faz novo o velho,
Traduz em ação
O que só é promessa.

Monday, January 4, 2010

Minha Alma

Minha Alma

11/12/09



A minha alma criança de tudo se cansa.
Se lança em longas viagens
E trança meus passos lentos
À liberdade de suas asas.
Enquanto a razão diz não
E a experiência diz cuidado,
Minha alma gargalha debochada.
Vira minhas costas pro seguro
Me arremessa ao escuro
Cega meus olhos
Atiça olfato
Aumenta os sons,
Amplia o tato.
A minha alma devassa de tudo faz graça.
Esgarça os meus limites
Me traça tortos caminhos.
E não lhe importa
Meu não, meu medo, minha agonia.
A minha alma vadia nada avalia.
Só quer, deseja.
Baforeja em minha cara
Seu hálito de muitas bocas
Seu gosto de muitas linguas.
Enquanto meu corpo mingua
Minha alma cria volume.
Nada a detem.
Sou refém de suas armas.
A minha alma sedenta me enfrenta
Corre solta a louca, a desvairada.
E vez enquando volta a mim
Ferida, suja, estraçalhada.
A minha alma menina então pede colo
Me promete quietude,
Jura obediência.
E eu , vítima de suas tramas, a consolo.
Mas tão logo a dor amaina
A minha alma me engana.
Faz novos planos,
Se solta de meu abraço
E alça outro voo solo.

A Flor

A Flor

28/01/09



Despem-se os amores
Mas não as cores.
O mundo além
Alheio a dor
Segue,
Rico em tons e matizes.
A pálida tristeza
Não apaga a certeza
Do azul no céu
E do vermelho distante.
A alma então desespera,
Vasculha pelo que resta
De vibrante em si.
E desse tenso movimento
Brota... banhada em cor
Uma última semente
De intenso amor.

Uma Ponta de Saudade

Uma Ponta de Saudade

14/01/09


Pode ser até que sinta...
Uma ponta de saudade.
Mas saudade é sentimento
Pelo que não volta.
É irremediável,
Imutável.
Vem e fica
Reavivando lembranças,
Relembrando sensações,
Rindo o que já foi sorriso
Chorando tristezas e alegrias que .... passaram.
Do que se mantêm presente na alma,
No corpo e no coração
Sente-se falta.
E falta é coisa momentânea.
Sabe-se que passa.
E logo se está perto novamente
Vivendo a constante e confortável certeza,
De se ter de novo
Aqui...ao lado
O que nunca esteve
Nem nunca estará distante.

Impasse

Impasse

06/07/85



Tá bom.
Eu aceito o argumento.
Mas me dê um momento
Pra eu lavar a cara.
Pra eu me olhar no espelho,
Pra eu me ver de perto.
E decidir
Se realmente vale à pena.
Se é verdade
Que a vida é curta
E eu tenho pouco tempo pra escolher:
Se vou ou fico,
Se calo ou grito,
Se paro ou corro,
Ou se tendo ao infinito
E morro.

Faces

Faces

07/05/91

De tudo um pouco
Um louco carrego
E se me envergo...
São tantas as profecias!
Um dia santa
No outro só ventania
Fera arisca, devassa
Só porcaria!
Queria um templo
Altar, flores
Cantoria.
Queria um beco
Sarjeta, mangue
Rebeldia.
Cara e coroa
Mesma moeda.
Uma hora o topo
Na outra a queda.
Suja, mundana.
Benta, sagrada.
No fim das contas
Mulher...
Mais nada.